Quando pensamos na presente época da NBA, vem-nos logo à
cabeça a ruptura vertiginosa (e, para os fãs, dolorosa) entre as expectativas
criadas e a actual campanha dos Lakers.
Esse é sem dúvida o facto mais distinto desta época, e a confirmar-se a
ausência da mais famosa equipa de Los Angeles dos playoff, será certamente um caso a ser estudado (como depois de
todos os grandes desastres, a incredulidade tem obnubilado toda a explicação
plausível, e ninguém concorda plenamente sobre as verdadeiras causas da
catástrofe) durante anos e a que iremos aludir quando nos quiserem fazer passar
uma lista de jogadores de basquetebol individualmente muito valiosos como uma
certeza, para lá de toda e qualquer dúvida, de que temos ali uma grande equipa –
como, de certo modo, no futebol já o fazemos devido ao relativo desapontamento
que foram os galácticos de Madrid. No entanto, o actual grande flop dos Lakers, e a enxurrada argumentativa à sua volta, tem arrastado para
segundo, terceiro, quarto ou plano nenhum, a análise do grande sucesso desta época – a enorme
e absolutamente anti-intuitiva campanha dos Warriors.
A equipa de Oakland, ao longo de vários anos comandada
por Stephen Curry e Monta Ellis, a que depois se juntou o
promissor David Lee, foi sempre apresentada como talentosa, capaz de obter
pontuações absolutamente excepcionais e de fazer frente a qualquer adversário, cuja
juventude implicava uma irregularidade que exigia paciência, obstinação,
crença, pese embora os frutos deste sacrifício, em breve, sem dúvida se irem
tornar indiscutíveis.
Porém, as épocas passavam, os falhanços das não idas aos playoff acumulavam-se, a maturidade não
dava à costa, a irregularidade corroía a fé e consumia a paciência. Na época
passada, a corda rompeu-se. Convencido das teses de que a equipa não evoluía devido
à incapacidade do jogo interior (porque a mestria do exterior estava para lá de qualquer dúvida), numa troca
que continha algum risco mas que foi elogiada de forma generalizada, o GM
decidiu adquirir um poste portador de saúde duvidosa e abrir mão da sua
principal estrela: assim, trocou Monta Ellis por Andrew Bogut. Mas quando esta
época, logo no início, se tornou claro que a verdadeira capacidade física de
Bogut – como, num caso semelhante, a de Bynum – tinha sido sobre-avaliada, o desânimo
foi tal, a descrença na melhoria dos resultados tão forte, que levou inclusive os
responsáveis pela equipa a mentir aos fãs até ao último momento. Aquilo que
parecia ter sido um movimento audaz, quem sabe o sempre necessário golpe de asa
que abre a porta do sucesso, tinha-se tornado na causa inexorável dos próximos
anos de penúria.
Até que a época começou. A equipa, a cada jogo se demonstrava
mais competitiva; a tão desejada regularidade ganhadora, a cada série se
prolongava; a estupefacção foi dando lugar a um cauteloso optimismo; e, hoje,
ainda ninguém percebeu muito bem como a equipa já praticamente garantiu os playoff. Há quem aponte a estabilidade
da saúde e, talvez devido a ela, nas exibições de Curry, juntando-se assim este ao sempre competente David
Lee; não há quem deixe de fazer referência à evolução de Klay Thompson ou ao talento
do rookie Harrison Barnes; e, mais timidamente, quem faça notar a boa época dos
reforços vindos de New Orleans: Jarrett Jack e Carl Landry.
Quero defender que, se nenhuma destas causas é falsa, todas
juntas também não parecem suficientes. Curry e Lee em 2010/2011 já jogavam
juntos, ainda tinham a cooperação de Monta Ellis, e o sucesso não aconteceu; Klay
Thompson pode ser acusado do pecado dos colegas a que se juntou: a extrema
irregularidade; a época de Harrison Barnes parece claramente uma consequência,
e não a causa, da boa orgânica da equipa; e os reforços pescados aos Hornets eram
há muito conhecidos quando a desilusão e desentusiasmo causados pela lesão de Bogut eram tão grandes que podiam ser avistados do outro lado da Golden State Bridge.
Sem negar que outras causas para isso contribuíram, qual então a causa fundamental de todo este sucesso?
Para mim, um pequeno movimento táctico acrescentado por
Mark Jackson esta época (ele que já era o treinador na desastrosa época
passada) e que, se fosse apreendido por outras equipas da NBA, podia ser
copiado com igual êxito: a deslocação, logo que o jogo aquece, de Stephen Curry
para shooting guard, com o comando do
jogo a ser entregue a um base competente na organização da equipa, mais preocupado
com o critério e fluidez na circulação da bola do que com o cesto, capaz de
dosear o ritmo e aumentar a eficácia do ataque e, através do controlo
do jogo, da defesa – algo que Jarrett Jack tem feito na perfeição.
Mark Jackson, ele mesmo um ex-base com as características
de Jack (outros há e houve na NBA; um dos recém retirados que vem à memória é o
grande Steve Kerr; o exemplo actual mais óbvio pela longevidade é Andre Miller),
compreendeu – ou talvez tenha sido
obrigado a testar e logo percebeu – esta época que as dificuldades da
equipa não derivavam da ausência de agressividade no jogo interior (Bogut fez 7
jogos, e julgo que em nenhum deles esteve 30 minutos em campo), nem da falta de
regularidade do exterior (essa continua); o grande problema da equipa, e que
agora foi resolvido, consistia em ter um shooting guard como guard, porque um shooting guard, por mais talentoso e
capaz que seja, tem o instinto adestrado na direcção do cesto, e, quando os
jogos se tornam complicados, o seu instinto tende a degenerar em
individualismo, o individualismo em turnovers, os turnovers em instabilidade
emocional, e, nos momentos chaves dos jogos, em derrotas - mesmo um jogador do calibre de Lebron, quando obrigado a executar nos últimos minutos uma função que lhe é anti-natura, não evita estes erros.
A equipa que em termos de regular season
mais padece claramente do mesmo vírus são os Cavaliers – Kyrie Irving, que já é um dos melhores jogadores da Liga, nunca será, como S. Curry também nunca será, um grande guard – e, no que aos playoff diz respeito, talvez em breve
tenhamos notícia que todo o talento dos Thunder,
e a aparente facilidade com que R. Westbrook marca pontos, não sejam de novo
suficientes para a conquista do título, com este último a enveredar pelas
decisões mais disparatadas (e quase sempre individualistas) quando o jogo mais
exige um melhor critério (o recente episódio com os Grizzles é um sintoma disso mesmo: a equipa não compreende as suas
decisões, e o treinador só mantém a paciência porque o talento – dele e da
equipa – vai chegando para uma regular
season de sucesso).
Entretanto, os Golden State, com o seu jogo equilibrado, onde o talento é sustentado e potenciado pela organização
de jogo de um verdadeiro base, tem já o playoff
quase assegurado e o futuro, com a recente reentrada de Andrew Bogut na equipa, não podia
ser mais prometedor.
pmramires